segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A MALFADADA OBRA DE MELLINDROUS



“Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para que possais estar firmes contra as astutas ciladas do diabo.” Efésios 6:11

Brasil. Região norte. Tocantins. Palmas. Região central da capital, grande praça do palácio do governo. Um sábado, 17:00 hs, temperatura normal na cidade: 35 graus, à sombra. Muitas pessoas passeiam pela praça, jovens, famílias, idosos, ciclistas, um horário e dia em que muitos fazem caminhadas, outros tiram fotografias junto aos monumentos, tomam sorvetes, crianças correm de um lado para o outro, um final de semana normal. Um magnífico por do sol se inicia no horizonte.
Um casal jovem, João Paulo e Renata. João tem 35 anos, Renata 30. São casados. João é mecânico de motos e tem sua própria oficina, Renata trabalha em um banco, cargo de chefia, em ascensão. Eles têm dois filhos. Residem no centro. Ambos vieram do interior, Porto Nacional e Fátima, cidadezinhas da região; de famílias pobres, lutaram muito para chegar à capital, sobreviver e prosperar.
Passear com as crianças na praça, de tardezinha. João Paulo e Renata buscavam na praça um pouco de paz, de tranquilidade. O passeio na enorme Praça dos Girassóis deixaria as crianças à vontade para correrem, pularem, pintarem e bordarem, e assim cansadas, quem sabe, dormiriam cedo e seus pais poderiam ter um pouco mais de sossego, coisa que há semanas não havia.
João Paulo e Renata eram casados há dez anos. Alguns supersticiosos afirmam que se durar mais de sete anos é raro um casamento acabar. Eles viviam uma fase difícil. Os primeiros anos foram muito duros, no entanto felizes. João trabalhava, Renata cuidava das crianças e estudava a noite. Mas com o passar dos anos Renata começou a trabalhar e continuou a estudar e cada vez mais se distanciava de seu marido, pois os círculos sociais que ela frequentava no início do casamento, ficaram para trás. Seus relacionamentos de trabalho e de estudos foram tornando-se mais sofisticados, chiques e seu marido João não conseguia acompanha-la em seu desenvolvimento intelectual e social; ela também estava ganhando mais dinheiro do que ele; sentindo-se culta e poderosa, relutava em deixa-lo conduzir os destinos da família, aquela esposa submissa do começo do casamento se perdera ao longo da vida de estudos e trabalho, agora a executiva se sobressaia, queria governar também em casa.
Eles não sabiam, não tinham certeza, mas havia em seus corações, suas mentes, uma impressão de que algo não ia bem, havia certa nuvem escura, um sentimento de coisa-ruim, que volta e meia os rodeava.  Sentiam uma angústia, um desconforto, uma inquietação, quase uma ira controlada, quando estavam juntos. Havia uma tensão entre o casal; não só entre o casal: Quando as crianças podiam estar com os pais, aumentava essa sensação. Uma pressão, uma opressão, suave, mas constante. Eles não sabiam, mas eram acompanhados de perto, de muito perto.
Alguém os observava. Observava e “interferia”. Eles eram alvo da atenção de uma pessoa muito má, alguém que os odiava, mesmo antes de conhecê-los; Um espírito muito antigo, cujo nome era Mellindrous. Um demônio. Um soldado do inferno. De baixa patente, mas assim mesmo um espírito do mal. E ele os estava caçando. Queria viver em suas vidas, na verdade, viver suas vidas.
Mellindrous ainda não podia toca-los, mas almejava isso profundamente em seu ser; e para alcançar seus objetivos, sua estratégia era influencia-los, em seus pensamentos, com setas de energia negativa; conseguisse leva-los a pensar de certo modo, iria aos poucos se tornar mais próximo, mais próximo e chegaria a dominar suas vidas, habitar em suas mentes e em seus corpos. Havia habitado em outros humanos há muito tempo, e expulso, vagueara pelos infernos durante décadas, agora, resgatado por demônios mais poderosos, fora trazido para fazer parte de um esquadrão, um grupo, uma multidão de demônios sob as ordens de um dos generais do principado demoníaco que dominava o mundo tenebroso daquela cidade.
Suas instruções eram claras: Sua influencia seria sobre os sentimentos daquela família, lançar pensamentos elaborados no inferno, dentro das mentes, transformar brechas em rombos, aproveitar as feridas emocionais em suas almas, para consolidar pensamentos, ideias, construir fortalezas, transformar mentiras em certezas, e quando tudo estivesse pronto, entrar. Uma vez dentro, transforma-los em seus cavalos, instrumentos a serviço do reino das trevas, desgraçar suas vidas e quantas mais pudesse ao seu redor.
Os principados, as potestades, os tronos e dominadores vinham trabalhando incessantemente para incutir seu domínio no povo daquela região havia décadas. E sobre os “cabeças”, os pais e mães, das famílias de João Paulo e Renata, outros demônios, comparsas de Mellindrous, demônios especializados em implantar vícios, murmurações, fracasso, adultério, rejeição e orgulho, vinham implantando as bases de sua maldade, há anos.
A estratégia de Mellindrous era usar os fundamentos  já implantadas da rejeição e do orgulho para causar ressentimentos, assim quando a pessoa alvo se sentia rejeitada, ele construía em sua mente a fortaleza do ressentimento; sempre funcionava:  afastava amigos, separava casais, filhos e pais; só precisava de um alicerce, um pouco de amargura, que a pessoa sentisse pena de si mesmo; na verdade uma situação de baixa autoestima, autocompaixão, filhos de pais separados tem esses sentimentos de montão. Ai começava sua parte no maldito ofício, sua obra: dar continuidade às fortalezas fundadas por seus irmãos.
Lentamente ia lançando sobre aqueles alicerces, as pedras e a argamassa de sua construção: “Ninguém gosta de você”, “eles não te valorizam”, “é assim mesmo, você não tem valor para eles”, “isole-se”, prove quem você é”, “levante-se e pise neles”, “lhe respeitarão nem que seja á força”... . Esses pensamentos em forma de setas ele preparava cuidadosamente e as afiava, polindo com sua maldade e astucia, esperando o momento certo para atirar na cabeça da pessoa alvo, daqueles que queria dominar. Eles deveriam ouvir esses pensamentos com o som de suas próprias vozes, ecoando em suas mentes como se partissem deles mesmos, de seus espíritos, de seus corações, vozes da razão, como se fossem verdades. Vez após vez, por anos a fio, milhares de vezes, suavemente, ate terem certeza daquilo.
Não tinha pressa, pois era imortal. Desde sua queda, odiava. Odiava, odiava e odiava. Ódio contra o Criador. E como feri-lo? Destruindo seus filhos, os homens. Quanto mais cedo melhor. Mas os planos de Deus eram perfeitos, como frustrá-los?  Atrasando; fazendo os homens distraírem-se olhando para si mesmos e sua condição mortal e levando-os a se afastarem de Deus; odiava muito os homens, reles criaturas, macacos falantes, espíritos fracos, a quem Deus tolamente destinava um reino eterno. Como se sabia condenado usaria tudo o que tinha para levar consigo quantos pudesse para o inferno, para as chamas eternas, onde dominaria de vez sobre eles pela eternidade afora.
Como era delicioso conduzir o ser humano a perdição. Ou pelo menos tentar. Principalmente os escolhidos, os chamados, aqueles predestinados antes mesmo da fundação do mundo, aqueles que o Cristo disse que não ira perder nenhum. Pode ate não perder, mas a vida deles não será fácil, não mesmo, vamos persegui-los do ventre da mãe ate a sepultura, sem pausa, sem sossego, sem descanso.
Encostado numa arvore da praça dos girassóis, Mellindrous  olha para si e lembra-se do que foi, da beleza e ternura de antes da queda, do poder que possuía e no que havia se tornado. Ainda era hoje um corpo de energia indestrutível, da beleza angelical de antes, agora uma carranca horrível, asas queimadas, um corpo retorcido, escuro e cheio de cicatrizes que ganhou na luta quando foi expulso do Céu, garras em lugar de mãos, dentes afiados e uma expressão de puro ódio e terror. Para manter sua sanidade metamorfoseava-se em uma aparência de humano, hoje de um executivo, terno e gravata, muito bem vestido e limpo, aparência que precisava, mesmo que ninguém o visse e muito poucos sentissem sua presença.
Perseguia uma família. O demônio chefe de seu esquadrão havia sido claro: plante uma sensibilidade exagerada na mente do pai, do chefe daquela família, de forma que venha a explodir facilmente sob pressão, e daí passe a trabalhar na mente da esposa e depois nas mentes dos filhos; deve haver medo e insegurança; rejeição e orgulho haviam sido trabalhados em sua infância. Ambos vinham de lares destruídos pela vicio, a pobreza e a revolta; seu trabalho estava facilitado. Agora era hora de desestabilizar a vida do casal e o futuro das crianças.
Mellindrous queria habitar aqueles corpos; e escolhia qual seria mais adequado. Havia toda uma colônia de demônios atrás de si, com a mesma intenção.
Ele tinha medo. Havia luta e discórdia entre os demônios de sua legião. Os espiritos da impureza sexual reclamavam seus direitos conquistados pelas visitas de Joao Paulo á pornografia e queriam entrar a qualquer custo; estavam pressionando-o para agir rápido e por causa disso, suas setas não estavam totalmente refinadas. Havia o risco de não funcionarem nessa fase final de seu trabalho, a separação do casal.
O pai. O valente. O alvo. Amarrando-o poderiam tomar a família. Humanos, malditos humanos que nem sequer conseguiam imaginar o quanto eram preciosos, quanto poder havia à sua disposição. Não compreendiam a guerra que estava sendo travada ao seu redor. Por suas almas, em suas mentes, para controlar seus corpos e suas vidas. Vida... Vida... Que dom maravilhoso... Mellindrous recordava os deliciosos anos em que vivera num corpo humano e queria voltar. E iria alargar as brechas, a se iria, e agora.
João Paulo e Renata observavam seus filhos brincando no parque, ambos calados, pensativos, absortos em sua imaginação, seus pensamentos ou pensamentos que pensavam serem seus.
João Paulo se lembrava de Sonia, a linda garota da lanchonete perto da oficina, tão compreensiva, tão amiga, tão carente... ...tão solidária; ao contrario de sua esposa, que só sabia cobrar, brigar e mandar, que queria governar a casa, governar sua vida, a vida das crianças, cópia de sua sogra, aquela megera. Como ele pudera enganar-se tanto e casar-se com uma fera daquelas, merecia algo melhor: “Você merece mais João Paulo”, “você é um bom marido”, “trabalhador”, “um bom pai”, “você é jovem e bonito”, “você não precisa passar por isso”, “há muitas mulheres no mundo”, “muitas melhores do que essa”, “ela te humilha”, eram os pensamentos que vinham á sua mente, insistentemente, e estava começando a acreditar naquilo. Mellindrous estava trabalhando.
Renata olhava as crianças, mas não via nada; sentia-se a muito mal, sua cabeça rodava, um turbilhão de pensamentos e ideias rolava em sua mente:  “Que roubada”, “uma mulher jovem como ela”, “com a vida toda pela frente”, “presa a um casamento com um fracassado como João Paulo”, “um fraco”, “ela tão forte”, “linda e poderosa”, “criaria os filhos sozinha”, “ou ele que os criasse”, “ela pagaria a pensão”, “não repetiria o erro de sua mãe”,” insistir num casamento falido”. Ela ganha mais do que ele. É mais capaz. Faltava pouco para tomar a atitude. A decisão estava quase tomada. Eram pensamentos tão constantes, tão intensos que já não sabia se eram seus ou não, se eram fruto de sua educação, dos novos tempos modernos, ou de sua imaginação. Mellindrous estava trabalhando.
As crianças Cleitom e Adriana brincavam e brigavam; sentiam a tensão entre os pais e também eram alvo das setas de Mellindrous; tentavam chamar a atenção com suas brigas e só conseguiam irritar os pais mais ainda; em seus pequenos corações estavam sendo lançadas os fundamentos, as estacas das fortalezas mentais da humilhação, da vergonha, da rejeição. Como sobreviveriam? Atacando. Forjando couraças de proteção. Assim como acontecera na infância de seus pais, se repetiria na deles;  O orgulho entrava ai: “você não pediu pra nascer”... ...“seus pais tem que lhe aguentar”...    ...“eles não te amam, mas vão ter que te aguentar”... ... “você e um peso pra eles”... ...“eles te odeiam”... ...“se te amassem eles não brigariam”... Suas mentes eram bombardeadas incessantemente. Mellindrous trabalhava.
GORETE
Mas existem os anjos. Há os anjos... ...eles apareciam de repente e Mellindrous e sua turma tinham que se retirar. Ódio.
Quando Gorete, a mãe de João Paulo, se converteu, ela já beirava os sessenta anos e ela e sua família já tinha sofrido muito. Era uma família praticamente destruída e sem rumo. Seu marido bêbado havia sumido nos anos 80, rumo aos garimpos do Pará e nunca mais tiveram sequer noticias. Seus filhos, criados aos trancos e barrancos, sem pai, não haviam conseguido ir longe na escola, nem na vida e trabalhavam em subempregos que pagavam pouco. Isso quando tinham emprego. Arrumaram mulheres e viviam largando-as, às vezes voltando para viver em sua casa, cada vez piores, péssimos hábitos, bebendo, sofrendo. Seus netos sendo criados como seus filhos foram: sofrendo e destinados a repetir os mesmos erros. Suas filhas, malcasadas, também já se separaram e repetiam sua historia. Mas João Paulo não, ele havia vencido. João Paulo havia conseguido o segundo grau e uma profissão razoável, mas casou cedo e hoje vivia mal com a esposa. Quanta preocupação e desgosto se aproximando. O que fazer, sempre havia sido assim, era essa sua sorte.
 Mas Gorete havia conhecido Jesus. Conhecera a verdade e nela crera. Ensinaram-lhe quem eram seus adversários e como podia enfrenta-los, como podia vencer. Agora ela tinha esperança. Agora não mais uma escrava. Agora, uma guerreira. De cabeça erguida, firme nas promessas que descobrira, agora ela lutava, lutava com as armas espirituais que havia conhecido; que recebera de Jesus Cristo. Lutava contra a doença, contra a pobreza, contra a certeza de que não prestava, que não tinha valor, que era um lixo. Lutava destruindo uma a uma as fortalezas mentais que haviam sido seus pensamentos durante toda a sua vida. Lutava com a Palavra de Deus, com a oração, com o louvor genuíno de seus lábios, que brotava do coração; de joelhos, orava ao Senhor dos Exércitos, e Ele a ouvia. E respondia.
Naquela tarde de sábado, Gorete estava no fim de uma campanha de oração e jejum por seus filhos, em especial por João Paulo e Renata, campanha dura, de quarenta dias, para mudar uma situação, mudar uma realidade, mudar uma circunstância. Lutava pelas almas de seus filhos, noras e netos, por suas salvações. Não tinha sido fácil. Contra-ataques vários ela sofrera: levara um tombo, adoecera, tinha sido roubada, invadiram sua casa no subúrbio de Porto Nacional, viciados, moleques drogados levaram seus eletrodomésticos, mas ela não caíra, não murmurara, não se entregara, renovara-se na força do Seu Deus; no mundo espiritual seus esforços enfim davam resultados.
 Uma onda de energia muito forte, numa frequência inaudível, abriu um portal ao lado de João Paulo e Renata e um anjo de Deus chegou à praça do palácio; um só anjo.  E a luz que dele resplandecia era tão forte que um sentimento de paz, de alegria e de tranquilidade ocorreu em todos os corações naquela imensa praça. Mellindrous e sua corja urraram de dor, aquela luz, invisível para os humanos, o cegava, e queimava, como queimava e ardia, aos urros fugiram desesperados, fugiram, mas a construção das fortalezas tinha sido iniciada. Voltariam, voltariam. O anjo passou em frente do casal. Simplesmente passou. Sua luz era tão forte que destruiu as setas de Mellindrous e abalou os antigos alicerces ali implantados.
Renata e João Paulo olharam para aquele lindo por do sol, para a beleza da natureza nas arvores da praça, para as crianças correndo e brincando e para as pessoas jovens e idosos ao seu redor e conseguiram ver. Conseguiram ver o que não viam há um bom tempo, a beleza das obras de Deus. Em seus corações arrependeram-se dos pensamentos egoístas, orgulhosos e tolos que haviam dado lugar em suas cabeças. Separação! E o que seria das crianças? E os planos do inicio do namoro, das dificuldades que enfrentaram juntos, das alegrias, de tudo que viveram, do sorriso das crianças... ...uma onda de carinho, afeto, amor, tomou seus corações. Olharam um nos olhos do outro e disseram ao mesmo tempo: Amor me perdoa? Te amo tanto!
Abraçados, caminharam pela praça, rindo, brincando, vivendo novamente. As crianças sentiram isso. Dava pra perceber em seus sorrisos de alegria.
“Exaltai ao SENHOR nosso Deus, e prostrai-vos diante do escabelo de seus pés, pois é santo”. Salmos 99:5.


Miracema do Tocantins, 07 de maio de 2012.
Fernando Batista

4 comentários:

  1. Realmente a família é tudo na vida do homem, mesmo que ele esteja passando por uma fase de sua vida de má condições econômica a família tem que compreender e levar o pensamento a DEUS e pedir para que torne a vida melhor a cada dia que um dia isso acontecerá.
    Parabéns mano pelo artigo que é de grande valor familiar.Abraço de seu mano Leonardo.

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  2. sabe, meu caro, esses estranhos caminhos de Deus são muito saborosos. estava aqui refletindo sobre a vida num intervalo de conversa pela internet com uma filha que não mora comigo, e digitei no google "malafadada fase". não que estivesse descontente, mas a frase me veio à cabeça e fui satisfazer a curiosidade de ver o que aparecia. apareceu o seu blog, na verdade esse texto, q é muito bom, claro que oportuno, e deixo aqui meu agradecimento.
    grande abraço,
    haro179

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  3. texto excelente para reflexão, nem sempre sabemos o que nos rodeia, mas é sempre bom ter Deus conosco, por isso oremos sempre!

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  4. Conheço o Fernando pessoalmente sabendo do seu enorme conhecimento em outras áreas, mas como escritor não conhecia. Li, curti e estou aplaudindo até agora dada a criatividade por ele criada, que para mim, estudante e praticante da doutrina espírita, pareceu-me uma perfeita Psicografia, daquelas que estou acostumado a ler e aprender. Parabéns Fernando

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